Flavia Vivacqua
"As dores que sentimos: Cultura da Desconexão"- por Flavia Vivacqua

Vivemos em uma sociedade que exalta o científico, o objetivo, o racional e o patriarcado, e que por muito tempo diminuía, desconsiderava ou mesmo condenava qualquer expressão do sentir humano como algo volúvel, instável, incompreensível, indesejável, excessivo ou
não confiável.
Esse modo de ver o mundo cresceu muito com a cultura industrial desde o século XVIII, o desenvolvimento das máquinas e a noção separativista do ser humano em relação a natureza, que nos serviu para estabelecer uma dinâmica de domínio e controle para a exploração da própria natureza.
Nos deslumbramos pela capacidade de expandir nossos sentidos e dominar o Espaço, da nanotecnologia a tecnologia espacial, e tudo o que isso significa e nos custou, ultrapassamos todos os limites do bem-viver e da sustentação da vida planetária.
Você já imaginou viver em uma sociedade planetária que sofrerá inundações e que ao mesmo tempo passará sede dada as contaminações e o monopólio da água?
Sorrateiramente, fomos vendo não somente desertos sendo criados, os polos gelados derretendo e os rios sendo poluídos. Há um aceleramento das crises climáticas que já não é possível ser negado. Nossos alimentos estão contaminados, assim como uma quantidade diária imensa de informações negativas, quando não mentirosas, nos entristece, desmotiva e nos confunde.
Vemos a fuga do sentir ou o sentir em excesso que desestrutura. Vemos um fazer no mundo por obrigação ou uma total apatia diante do viver. Vemos um tipo de pensamento utilitarista das coisas e das relações, ou um escapismo intencional e supérfluo.
Encontramos uma comunicação agressiva e opressora, sem sequer nos darmos conta do quanto está sendo reproduzido modos de vida desconectados de tudo e todos à sua volta.
Ao mesmo tempo, começamos a ver crescer uma sociedade culturalmente apática ou reativamente agressiva e emocionalmente imatura.
Todo o excesso e toda falta em uma dinâmica de pêndulo perpétuo é cultura da desconexão.
Todos nós, em alguma medida, estamos impactados ou mantendo esse modo de vida de tomar decisões imediatistas, com foco na consequência e não na causa, que destrói ao invés de cuidar e que de muitas maneiras mostra-se egoísta.
Quando entendemos que a conexão que temos com o sistema em que vivemos, tudo e todos à nossa volta não é uma relação de pura dependência ou pura dominação, que não somos vítimas ou culpados, e que estamos enredados em uma complexidade difícil de ser superada, mas que precisamos e que estamos aqui exatamente para essa vida… aí iniciamos despertar!
Deparar-se com as dores e as alegrias de ser quem se é, em seu contexto, o primeiro passo em direção a uma cultura regenerativa. Aquela que começa-se a ampliar a consciência pessoal, o reconhecimento da singularidade e do direito e merecimento de viver em conexão com suas próprias potencialidades e possibilidade geradoras de bem comum e saúde sistêmica.
Nesse momento, a responsabilidade deixa de ser obrigação e passa a ser envolvimento de mudança, reconhecimento do poder de fazer, o desenvolvimento de habilidades de responder ao contexto vivido, e beleza de estar no caminho da regeneração, do bem-viver e da beleza.